Apresentação

Apresentação

São José Marello, uma vida exemplar e edificante
Apresentação
 
Dois motivos levaram-me a organizar um determinado número de fatos e acontecimentos enfocados em algumas particularidades da vida de São José Marello. O primeiro foi um pedido de José Leite, um leigo que sempre comungou com a espiritualidade josefino-marelliana e com a Congregação dos Oblatos de São José, que ao ouvir-me falar sobre alguns aspectos importantes e até curiosos do nosso Fundador, incentivou-me para que disponibilizasse por escrito tudo o que sabia de dados históricos e curiosos de Dom Marello. Acatei esse pedido e, ao debruçar-me sobre as fontes para encontrar todas as informações que achava interessante, deparei-me com a riqueza e a variedade de exemplos que Marello e a Congregação por ele fundada nos proporcionam. O segundo foi que São José Marello sendo canonizado pelo Papa João Paulo II em novembro de 2001, tornou-se um patrimônio de toda a Igreja e que, portanto precisa ser um santo para ser amado, venerado por todos os católicos, mas para isso ele precisa ser mais conhecido, principalmente, pela ampliada família josefina formada pelos Oblatos, pelas Oblatas, pelos formandos e formandas desta família religiosa e por todos os leigos e leigas josefinos.
 
Na verdade, existe um significativo número de livros e biografias de Marello, contudo, quase todos estão em língua italiana, o que dificulta a leitura para os que não conhecem essa língua. Além do mais, praticamente todos os materiais a respeito deste nosso santo são extensos e abordam os assuntos com bastante amplificação o que, não raro, tornam-se pesados para aqueles que gostariam de conhecer a figura do nosso Santo de maneira mais satisfatória e sem a abordagem contida nas exigências de uma obra literária.
 
No decorrer da garimpagem destas pérolas contidas na vida de Dom Marello e de sua Congregação, percebi que estas não podem ficar escondidas ou despercebidas para os que o amam e amam a sua Congregação. Pincelar esses detalhes preciosos serviu-me para reafirmar ainda mais a minha convicção do que ele mesmo usava afirmar: “é preciso que nos exaltemos nos grandes modelos e depois comecemos a agir”.
 
É fato incontestável a admiração que recebem das mais variadas categorias de pessoas os grandes Santos que abalaram o mundo com suas vidas e exemplos, o que indica que os valores por eles transmitidos continuam, apesar de tudo, atuais e válidos para o nosso mundo. Pois bem, a Igreja com a sua preciosa pedagogia não cessa de revelar continuamente novos modelos, que forjados na sua incomparável missão de fidelidade ao seu mestre, se apresentam como ícones de santidade. Um destes Santos é São José Marello que apresentamos delineado nos enfoques de sua vida relativamente breve, mas intensa de sentido.
 
O meu desejo é que os exemplos de vida por ele vivenciados e aqui apresentados, numa maneira condensada, se tornem valorosos meios de edificação para você leitor, a fim de que os seus ensinamentos comprovem a verdade que o próprio ele ensinou ao dizer que “As obras dos Santos, que os séculos têm respeitado, foram sempre marcadas pelo selo da simplicidade”.


Apucarana, 12 de junho de 2009
30º Aniversário da Proclamação das Virtudes Heróicas
de São José Marello pelo Papa Paulo VI
Pe. José Antônio Bertolin, OSJ

1 - Infância



José Marello – seminarista menor,
fotografia com o teólogo Paulo Elias,
amigo de família em San Martino Alfieri.
Infância
São José Marello, uma vida exemplar e edificante
Capítulo 1
 
01 - A família de Marello era originária de San Martino Alfieri, uma localidade que contava no tempo do Fundador com aproximadamente 930 habitantes. Os avós de Marello se chamavam Giovanni Giuseppe e Lucia Maria Barbero. Dos oito filhos que tiveram quatro morreram em seguida, o que indica o alto índice de mortalidade infantil, particularmente o tifo, a varíola, a icterícia, a disenteria e o cólera. Eram tempos difíceis, de modo especial no campo onde os soldados de Napoleão I causavam devastação e miséria. Excepcionalmente, no ano de 1817, as colheitas foram desastrosas devido as geadas e depois a longa seca de verão, fato esse que levou Vincenzo Marello, o filho mais velho e (pai de Giuseppe Marello) deixar San Martino no ano de 1825, quando tinha 18 anos e ir buscar trabalho em Turim. A cidade de Turim naquela época tinha passado dos 80.000 habitantes para 127.000 habitantes devido ao afluxo de gente não apenas do Piemonte, mas de toda Itália que acorria para esta cidade em busca de condições de vida melhor, o que a tornava, por outro lado, um centro de miséria.

O2- Em Turim, Vincenzo Marello começou trabalhar com a família Secco, comerciante de queijos bem sucedida. Casous-se entre os anos de 1837 a 1840, com Maria Maddalena Luigia, uma das filhas de Domenico Secco, esta morreu (seguramente de tifo) logo em seguida, no dia 17 de março de 1841. Passados dois anos da morte de sua esposa, Vincenzo se casou, no dia 26 de fevereiro de 1843, com Ana Maria Viale, a qual tinha a idade de quase 20 anos. Da união deles nasceu no dia 26 de dezembro de 1844 Giuseppe Marello e no dia 27 de maio de 1847, Vittorio Marello. Giuseppe foi batizado no mesmo dia, na igreja do Corpus Domini, de Turim, tomando o nome completo de Giuseppe (em homenagem ao avó paterno), Chiaffredo (em homenagem ao padrinho de batismo), Stefano (em homenagem ao santo do dia). Dois anos depois do nascimento de Vittorio, Ana Maria morria no dia 5 de abril de 1848. Dela ficou a lembrança de uma sua fotografia estampada num quadro pintado a óleo representada com uma fisionomia dócil, simples e reflexiva. Esse quadro pertencia ao Fundador e hoje se encontra no museu histórico da Casa Mãe em Asti. Era uma mulher de piedade, com grandes virtudes e que muitos a chamaram de santa.

03 - Com a morte de Ana Maria, a tia dos dois filhos de Vincenzo, Catarina Secco que tinha apenas 23 anos, assumiu o cuidado deles. Catarina será uma verdadeira mãe para ambos, mas casou-se em 1853, portanto cinco anos depois da morte de Ana Maria. Preocupado com a formação dos filhos, Vincenzo tomou a decisão de deixar Turim e voltar para San Martino Alfieri para dedicar-se mais aos dois filhos. Depois de 27 anos vividos em Turim e com os seus 45 anos, Vincenzo iniciara uma nova vida totalmente diferente daquela de Turim; era o início de 1852. Em San Martino Alfieri Giuseppe e Vittorio moraram com o pai, o avô, a avó e o tio Giovanni Battista. Seus avós continuaram com a boa educação que a tia Catarina tinha dado a ambos. Em San Martino, Vincezo, como bom comerciante, se dedicara ao comércio de terrenos mais do que ao cultivo da terra.

04 - Em San Martino, Marello teve como seu pároco Pe. Giovanni Battista Torchio, o qual tinha iniciado o seu ministério sacerdotal nesta cidade, com 28 anos de idade e permanecera por 42 anos, ou seja, até a sua morte em outubro de 1890. Marello adolescente em San Martino se distinguira pela aplicação nos estudos (em casa ficava quase sempre em seu quarto lendo livros), pelo exemplo de piedade (sempre presente nas missas de manhã), pelo seu amor pelos pobres (fazia de tudo para dar uma esmola ao pobre que pedia), pela sua índole calma (não brigava com os colegas e não perdia a calma) e pela sua obediência ao pai e aos avós (sempre dócil e obediente).

05 - O adolescente Giuseppe Marello estudará numa escola de San Martino, tendo como seu professor Pe. Silvestre Ponzo, que gostava muito dele, tanto é verdade que em um de seus cadernos Marello escreveu: ”Jamais me esquecerei do amor e da bondade que o senhor me demonstrou e continua me demonstrando. Eu me lembro do senhor todos os dias com ternura e gostaria de poder provar-lhe com fatos o quanto eu me sinto grato e quão grande é o afeto que carrego e carregarei sempre pelo senhor”.

06 - Vivaz e inteligente, Marello era ciente de suas capacidades, tanto é verdade que seu pai se orgulhava dele. Por isso se esforçava para não se ensoberbecer. Seu colega de escola, Giovanni Bussolino, lembra que ele era muito obediente para com seu pai e avós e tinha um comportamento exemplar.

07 - O pároco de Marello, Pe. Torchio, foi quem lhe deu a primeira comunhão em 1853 quando tinha 9 anos de idade. Dois anos depois, no dia 15 de agosto de 1855, a Festa de Nossa Senhora da Assunção, ele e mais 290 adolescentes receberam o sacramento da crisma das mãos de Dom Felipe Ártico. Preparado desde criança para a comunhão com Deus fazia uso de um livrinho que continha muitas orações sobre Jesus crucificado, sobre o Sagrado Coração e Nossa Senhora. Nesse livrinho que trazia consigo havia a máxima de Santa Teresa de Ávila que ele tanto apreciava: ”Nada te perturbe; nada te assuste: tudo passa; com a paciência tudo se vence. A quem teme a Deus nada falta; Deus só basta”. Quando criança teve também em suas mãos uma “Coleção de orações devotas”,datada de 1851 em Alba. É interessante descobrir ali, entre outras coisas, uma linda invocação, transmitida posteriormente aos seus Oblatos: “Bendita seja a santa e imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria”. Outro livrinho de orações de seu tempo de criança era denominado “Alimento dos fiéis ao assistir à santa Missa”, datado de 1852, em Turim.

08 - Padre Torchio gostava de sua maturidade e de seus exemplos e por isso o escolheu como catequista para os menores. Tinha apenas 11 anos e já escrevia em seus cadernos suas lições de catecismo, como uma relatando o diálogo de um pequeno burguês, recém-laureado, que em nome da ciência negava Deus, e um menino do terceiro ano primário que lhe propunha um enigma:”Se existiu antes o ovo ou a galinha”, e constrange o jovem doutor a afirmar a existência de Deus justamente com base no princípio da causalidade.

09- Marello apresentava-se com uma estatura alta e de cor branca, tinha seus cabelos pretos, o rosto redondo e os olhos azuis e vivazes. Tinha os lábios sempre tocados por um leve sorriso e voz muito melodiosa. Quanto a sua saúde sabemos que, por volta dos oito anos, por causa de sua sensibilidade ao ar insalubre de Turim, foi obrigado a mudar-se para os campos mais abertos de San Martino e ai se recuperou bem, todavia teve que cercar-se sempre de cuidados. Ele mesmo se definia um pote rachado que, com os devidos cuidados, poderia servir como um novo. Sofria de hemorróidas com freqüentes hemorragias, mas suportou esse incômodo sempre em silêncio.

10 - No final do ano letivo, por ocasião das férias escolares de 1856, Marello recebeu de seu pai uma viagem à Savona como presente pelos ótimos resultados nos estudos. Era um ótimo presente, pois Savona era uma cidade turística embora não se chegasse até ela com o trem e por isso era preciso ir de Asti a Gênova de trem e dali até Savona de diligência, com freqüentes trocas de cavalos. Essa viagem ficaria marcada na alma do adolescente Marello, pois dentre tantas novidades para ele era a primeira vez que contemplava o mar, ocasionando-lhe uma imagem que levara consigo a ponto dele próprio desenhar no seu brasão episcopal um mar agitado com o monogramo MA e com a frase “Iter para tutum”. Em Savona visitou o Santuário de Nossa Senhora da Misericórdia.

11 - Era possuidor de grande habilidade nas matérias literárias, particularmente no latim, o qual traduzia e escrevia com precisão. Sua inteligência era notável, tanto é verdade que venceu para um seu amigo um concurso literário redigindo sobre Vittorio Alfieri. Sua humildade não permitiu que ninguém viesse saber que foi ele quem tinha feito aquela composição.

12 - Nas ciências exatas era melhor ainda e, quando saiu do seminário de Asti, exercera em Turim, por aproximadamente um ano e meio a profissão de projetista.

13 - Durante o tempo em que esteve em Turim, depois de sua crise vocacional, desenhou uma estrada para fazer um desvio entre as localidades de Govone e São Martinho Alfieri.

14 - No seminário Marello era o desenhista da capa de um jornalzinho editado pelos seminaristas dentro do próprio seminário.

15 - Virtude admirável era o seu coração sensível às necessidades dos pobres e marginalizados. Essa é comprovada quando certa vez o menino Marello viu um velho mendigo sendo ridicularizado pelos seus colegas e tomou energicamente a defesa deste pobre velho. Consolou-o e o conduziu até a sua casa e deu-lhe comida e roupas. Seu amor pelos pobres é ainda comprovado com um trecho escrito por ele em seu caderno que diz: ”Eu conheço um menino, um bom menino, que todo sábado leva seu vinho para um velho doente, e, nos dias festivos, separa para ele aquilo que tem um pouco a mais na mesa. Conheço outro que no lugar de muita coisa no café da manhã pede à sua mãe uma moedinha por dia e assim no domingo, com aquela poupança de uma semana, um velhinho pode ter um pouco de carne em sua mesa”. Quem o conheceu sabe que ele era tão caridoso para com os pobres que, às vezes, para socorrê-los, privava-se do seu café da manhã. Portanto o menino a que ele se referia no caderno era real, não fictício, era ele mesmo. Pe. Giovanni Battista Cortona lembra a sua caridade para com os pobres era tão manifestada que às vezes os ajudava, privando-se também de seu café da manhã. Por isso, aquele menino relatado em seu caderno queria indicar que realmente era ele.

2 - No Seminário

José Marello – fotografia com seus amigos
no castelo de San Marino. Olhando da esquerda:
Estevão Delaude, José Riccio, José Marello,
o teólogo Paulo Elias, Estevão Rossetti
e Egidio Motta.
No Seminário

São José Marello, uma vida exemplar e edificante
Capítulo 2
 
16 - No dia 31 de outubro de 1856, Marello entrava no seminário de Asti com a determinação de ser padre. No dia 9 de novembro do mesmo ano, recebeu a veste religiosa e iniciava os estudos juntamente com outros 25 seminaristas, tendo como assistente Giovanni Boeri, como reitor do seminário o cônego Guilherme Odetti de 92 anos de idade, esse como já era idoso tinha o vice-reitor, o cônego Carlo Vassallo. Os seus amigos de classe eram particularmente Stefano Delaude, Giuseppe Riccio, Giuseppe Fagnano, Tiago Gay.

17 - Desde a renúncia do bispo, Dom Ártico, estava como Vigário Capitular Pe. Vitaliano Sossi, o qual recebeu de padre Bosco que, conhecendo as dificuldades de Asti, lhe escreveu propondo o seu Oratório de Valdocco, em Turim, como lugar de formação para os seus seminaristas. Por isso, em outubro de 1860, 20 seminaristas de Asti foram prosseguir seus estudos no Oratório de Valdocco, guiados por padre Bosco. Dentre estes estavam os amigos de Marello, mas ele não estava com eles, ficou com uma família em Asti e freqüentava o curso de filosofia no bispado. Naquele ano ele iniciou o primeiro ano de filosofia em Asti, tinha 17 anos. Durante este período elaborou uma dissertação escolar em latim perfeito sobre “Concordância que deve haver entre razão e a Revelação”, demonstrando conhecer os pensadores céticos, os fideistas e os racionalistas como Kant, Fichte, Hegel, etc.

18 - No mês de março de 1859, o seminário de Asti foi ocupado por militares do décimo primeiro regimento de infantaria e, em maio do mesmo ano, este foi transformado em hospital militar, obrigando os seminaristas a se retirarem dele, mas Marello conseguiu um lugar numa família de Asti e não voltou para casa.

19 - O seminário ficara ocupado pelos militares até o ano de 1865 e durante esse período Marello viveu sem comunidade, acompanhou a renúncia do bispo de Asti, a morte do reitor do seminário, Pe. Odetti, etc. Isso lhe trouxe um arrefecimento no seu entusiasmo. A prova do seu desânimo é que o seu pároco, Pe. Torchio ao enviar ao reitor do seminário, no dia 24 de outubro de 1859 um relatório sobre ele enquanto passava suas férias em San Martino dissera: “... devendo referir, segundo a minha consciência, sobre o comportamento de Marello, dói-me na verdade por não poder elogiá-lo muito ao senhor. Achei-o assíduo até certo ponto às funções paroquiais, raramente o vi receber os sacramentos...”.

20 - A causa da saída de Marello do seminário foi sem dúvida a ocupação deste pelo 11º Regimento de Infantaria, por causa da II Guerra Mundial, fato este que obrigou todos os seminaristas a deixá-lo e, com isso, Marello passou a ter aulas numa sala da diocese morando junto a uma família. Não é possível saber com precisão em que família ele passou a residir por mais de três anos, provavelmente, foi numa propriedade da diocese, na Avenida Giobert N. 11, a qual era alugada para algumas famílias. Esses anos em que passou fora do seminário contribuíram para esfriar o seu fervor. A comprovar isso temos o relatório de suas férias enviado pelo seu pároco, Pe. Torchio, em data de 24 de outubro de 1859. Nesse, o pároco dizia que não tinha nada para reprová-lo em matéria de moral, todavia dizia que até então não tinha tido a consolação de admirar nele o amor pela Igreja e a diligência na observância da regras que manifestavam o bom exemplo ao povo. Salienta também que tinha visto pouca assiduidade dele aos sacramentos.

21 - Durante os anos de 1859 a 1861, em que ficou morando fora do seminário, mas estudando nele, freqüentou o primeiro ano de retórica que correspondia ao primeiro ano do ensino médio e outros dois anos de filosofia, uma matéria de que gostava muito, inclusive traduzindo do latim para o italiano grandes autores como Cícero e Horácio. De fato, o cônego Carlo Vassallo, Vigário Geral, dissera dele, então seu chanceler, que redigira os documentos da Cúria “currente calamo”, sem necessidade de alguma correção. Nesse período se pode notar em Marello certo eclipsar ou resfriamento dos valores do espírito e a tendência a novos interesses, agitados pelas suas excelentes capacidades. É comum encontrar em seus cadernos interpolações pessoais de outros gêneros, como frases em italiano cheias de retórica ou com certas exaltações de si, como a que escreveu, mas depois a cancelou, sobre a capa do seu caderno do ano de 1860: “Não se resolverão os problemas da Itália, sem a interferência do sábio José Marello“(Non si tratterà gli affari dellÍtalia se non si frammischia il saggiMarello G) ”. Aqui e ali sobre seus cadernos ou até sobre a primeira página de um livro de oração, aparecem desenhos estilizados onde se pode identificar o rosto de Vittorio Emanuelle II, ou mais freqüente de Garibaldi, herói que exercia muito fascínio sobre os jovens daquela época.

22 - Por causa da ocupação do seminário pelos soldados, os seminaristas de Asti durante o ano escolar de 1860-1861 foram enviados para estudos ao Oratório São Francisco de Sales de Dom Bosco, em Turim, devido situação incômoda de que estes estavam espalhados pela cidade, mas Marello, como afirmamos não foi para Turim e uma das razões transmitida pelo seu próprio professor, Pe. Giovanni Battista Francesia, é que o pai de Marello não o deixou ir, como foram seus colegas e por isso permaneceu em Asti freqüentando a filosofia no seminário e morando junto a uma família. Neste novo estilo de vida continuava com suas notas ótimas, mas manifestava um lento declínio espiritual, até que no final do ano escolar de 1861-1862 decidiu abandonar o seminário.

23 - Em Turim Marello encontrou a presença forte da maçonaria e um ambiente de ceticismo que somavam aos seus sonhos de um futuro na sociedade, fato esse que o fizera “Saltar o Rubicão”. Ali na nova realidade sentira as emoções dos meetings das lojas maçônicas e das amizades políticas. Ali, escreverá ele no ano de 1866: ”cessando de ser para Deus começou a viver por um ídolo de carne e depois por um ídolo bem mais ciumento e exigente: a ambição”. Não desejava outra coisa que o “Apostolado humanitário”. Tinha em mente um propósito a alcançar a começar com o jornalismo, depois à tribuna popular, depois ao proselitismo doutrinário e por fim ao proselitismo prático com o início de um novo sistema de economia social. O aceno que fez sobre um ídolo de carne, conforme o testemunho de Pe. Pietro Peloso, seu secretário, que ao fazer os espólios das suas cartas (depois da morte) encontrou um recorte de teor juvenil em forma de poesia, escrito quando se encontrava em Turim, depois de sua saída do seminário. Era uma poesia que não tinha nada de imoral, mas dava a impressão de um apego a uma moça. O próprio Marello escreverá (carta n.10) ao seu amigo Delaude, no ano de 1866 que era preciso combater um grande inimigo da sociedade daquele tempo: o “demônio da concupiscência”. Dissera ao seu amigo: “caro amigo, sei que coisa eu vi com os meus olhos e posso te dizer, por uma experiência dolorosa”.

24 - Morando juntamente com seu pai Vincenzo, Marello estudava numa escola técnica, em Turim, cursando a formação agrimensor. Essa sua opção de estudo indica que não estava por fora das solicitações daquele tempo em que se sentia muita necessidade de preparar técnicos para a era industrial. Ao mesmo tempo demonstra que brilhante era na literatura italiana e latina, Marello tinha também propensão para a matemática e para o desenho. Admirado com sua capacidade neste campo o engenheiro Luigi Bechis conhecedor ao mesmo tempo das suas potencialidades, propôs-lhe para ser seu sócio e de fato até chegou, enquanto trabalhava com ele, a desenhar um mapa da estrada que devia coligar San Martino com San Damiano d’Asti, encurtando a estrada.

25 - Em Turim, Marello fora do seminário, não se encontrava tranqüilo justamente porque estava no meio de tanta corrupção e do desvirtuamento da grande maioria dos jovens, contudo mantinha uma vida exemplar, tanto que o engenheiro Bechis que bem o conhecia lhe teria dito que não era feito para o mundo, mas para ser padre. Na verdade, ele não estava contente e Bechis que tinha entendido a razão de sua tristeza o aconselhava a voltar para o seminário. Juntamente com esses agravantes, veio-lhe facilitar a volta ao seminário a sua doença, quando aos 19 anos, em dezembro de 1863, foi acometido de tifo, doença que naquela época era praticamente impossível de ser curada.

26 - Na metade de 1862, por ocasião da inauguração, em Asti, de um monumento ao poeta Vittorio Alfieri, foi promovido na cidade um concurso literário entre os estudantes e deste Marello participou, desenvolvendo um tema sobre este grande poeta italiano em nome de um seu colega ex-seminarista o qual apresentado em nome deste jovem venceu o primeiro lugar. Toda a glória foi para esse seu amigo que além de mostrar a dimensão da capacidade literária de Marello, mostrou também a sua modéstia e a sua bondade.

 27- Quais foram as razões que levaram Marello deixar o seminário? Foi um conjunto de situações, particularmente o seu esfriamento na piedade, a exaltação da retórica quando em contato com os clássicos, com os novos pregadores políticos e humanitários, a sua inteligência aberta a novos interesses, a tendência pessoal para se sobressair sobre os colegas, a certa presença dominante de seu pai, o descontentamento e a desconfiança diante de alguns acontecimentos que se observava por parte do clero secular. É preciso notar que a sua crise começou com o início da Guerra quando cessou o esquema de vida de seminário e, assim, passou-se a diminuir a oração e ao mesmo tempo o contato com o mundo exterior se tornou mais intenso. Padre Giovanni Battista Cortona afirma que Marello deixou o seminário por vontade do seu pai que o queria encaminhado para o estudo secular. Contudo, seu irmão, Vittorio afirmou que o pai preferia que Marello tomasse outra carreira, mas jamais lhe fez pressão e nem o mesmo o contradisse. Na verdade, o desejo de seu pai foi uma das razões, mas não aquela determinante.

28 - Os colegas de Marello relatam que ele não praticava muito o esporte, mas gostava muito do jogo conhecido como bola elástica, um jogo muito comum na sua região do Piemonte, mas mesmo quando bispo não dispensava um bom jogo de bochas.

29 - Um detalhe importante na vida de Marello era a sua memória prodigiosa, pois bastava que ele visse a pessoa uma vez e não mais se esquecia dela.

30 - Marello gostava de contar anedotas em suas conversas. Lembremos uma delas: ”Dois caipiras vão à missa solene, por volta do meio-dia, e ao perceber que o padre ainda estava no seu longo sermão, decidem ir ao boteco mais próximo e lá, conversa vai, conversa vem, depois de uma boas doses de pinga os dois se lembraram da missa, mas quando chegaram à igreja ouviram o toque da campainha para a bênção do Santíssimo, então um olha para o outro e diz: ‘Viu, estamos ainda no Santo”.

31 - Desde criança tinha uma sensibilidade grande pelos mais necessitados; de fato, o seu irmão Vittorio conta que ele freqüentemente provava apenas do café da manhã para dar aos mais necessitados. Sendo muito bondoso, era também generoso em matéria de dinheiro para ajudar seus colegas dentro do seminário. Seu pai docilmente lamentava-se quando todas as quartas-feiras ia visitá-lo no seminário de Asti e o deixava com os bolsos vazios e lhe dizia: ”Zezinho, você me esvazia sempre os bolsos”. Não era somente com dinheiro que socorria os companheiros, mas também com roupas de cama.

32 - Os colegas de escola de Marello foram unânimes em afirmar que ele era brilhante nos estudos e isso também era motivo de orgulho para seu pai. Dois de seus colegas Bussolino e Solaro atestam que ele tinha somente dez anos e grande capacidade intelectual, superior a deles. Este seu brilhantismo nos estudos ele o demonstrara nos anos seguintes, tanto que ele próprio devera se cuidar para não cair na falta de humildade. De fato, ele advertiu esse perigo quando escreveu em seu caderno as seguintes palavras: ”Uma lamparina cheia de óleo iluminava, e era soberba, mas pela sua luz que quase parecia ser mais viva que a luz do sol, veio um vento e a apagou. A fábula admoesta os meninos e as meninas que se ensoberbecem da própria beleza”.

33 - Por possuir uma inteligência brilhante, Marello era exemplar e muito capacitado nos estudos. Lia e estudava os autores latinos, como Cícero e Horácio e fazia traduções excelentes da língua latina. Suas notas do final do ano escolar de 1860 foram ótimas e do latim ao italiano variaram entre oito e dez. Aos 16 anos poderia se dizer que Marello era um bom latinista e um cultivador do falar bonito, atento a tudo o que acontecia na Itália naqueles anos. Em diversas páginas de seus cadernos ele escrevia pensamentos citando Alfieri, Filicaia e outros pensadores. Era ciente de sua inteligência, tanto é verdade que em uma das páginas de um de seus cadernos escreveu uma frase exaltando suas capacidades mas depois, certamente, pela sua humildade se encarregou de rabiscá-la.

34 - Seu irmão, VittoriMarello casou-se com a primeira mulher chamada Luisa a qual morreu logo em seguida, em 1892 sem deixar-lhe filhos. Foi prefeito de San Martino Alfieri pela primeira vez aos 30 anos de idade, sendo reeleito por 40 anos seguidos e depois prefeito honorário até a morte. Recebeu o título de Cavaleiro honorífico e foi declarado o prefeito da Itália mais idoso na função. Sua fotografia está exposta na sala principal da prefeitura de San Martino Alfieri com as palavras: ”Marello Cav. Vittorio que por um cinqüentenário de anos foi prefeito de San Martino Alfieri. A Prefeitura”. Marello tinha um bom relacionamento com o irmão e não deixava de dar-lhe conselhos como os que se encontram numa carta escrita a ele no ano de 1876 ( carta N. 91bis). Nesta, pedia-lhe para que quando fosse a Turim que não deixasse de visitar o Santuário de Nossa Senhora da Consolação e que rezasse por todos. Sua filha, Josefina, declara que seu pai ia frequentemente a Turim com ela e as outras duas suas irmãs e que com os parentes ia à missa na igreja de São Lourenço, na Catedral ou no Santuário de Nossa Senhora da Consolação e sempre fazia uma visita à igreja de Corpus Domini, igreja em que ele e Marello foram batizados. Portanto, Vittorio era um homem religioso e honesto.

35 - Dos livros que influenciaram a formação espiritual e cultural de Marello conhecemos apenas alguns, porque muitos desses foram perdidos, mas se destacaram, quando ele ainda era criança, a “Coleção de Orações Devotas”, datada de 1851. Outro, datado de 1852, foi um livrinho de oração que tinha o título “Alimento dos fieis ao assistir à Santa Missa”. É interessante que nas páginas brancas iniciais deste livro Marello caricaturou Vittorio Emanuelle II e Giuseppe Garibaldi com seus grandes bigodes, indicando desta forma os novos interesses que iam amadurecendo nele no tempo das conquistas de Garibaldi.

36 - No tempo em que estudava teologia utilizava e carregava um Novo Testamento de bolso no qual procurava alguns versículos para meditar todos os dias.

37 - Sendo um apaixonado por literatura, fez parte do repertório de suas leituras de férias os livros “O Telêmaco” de Fenelon; “Os mártires do Cristianismo” de Chateaubriand; os “Sermões” de Massillon; “Os Pensamentos” de Pascal; “Os Noivos“ de Alexandre Manzoni; as “Confissões” de Santo Agostinho, a “Vida de Santa Maria Alacoque”,os livros de Gioberti e dos de Balbo.

38 - Durante os anos de seu presbiterado e de seu episcopado fizeram parte de suas leituras a “Summa Theologica” de Santo Tomás de Aquino; a “Filotéia”, os “Colóquios Espirituais” de São Francisco de Sales; a “Regra” de São Bento; as “Homilias” de São Giovanni Crisóstomo; o “Maná da Alma” de Segneri; “O Combate Espiritual” de Sculpi; “O Grande meio da Oração” e “Prática de Amar Jesus Cristo” de Santo Afonso; as “Máximas Espirituais”de Rosmini; as “Conferências de Notre Dame” de Lacordaire; as “Conferências Espirituais”de padre Faber; o “Tratado da Verdadeira Devoção” de Montfort; a “Vida de São Jerônimo” de Bougaud; a “Vida de São Carlos” de Sylvain; o “Dicionário Histórico” de Moroni; a “Imitação de Cristo”, livro que carregava consigo e que foi encontrado no seu leito de morte com o marca-páginas assinalando o capítulo “De gloria coelesti”. Fizeram parte de suas leituras também as Obras de Santa Tereza e de São Giovanni da Cruz.

39 - Em novembro de 1865, o seminário diocesano onde Marello tinha iniciado os seus estudos foi restituído, depois de seis anos de ocupação pelos soldados da guerra, à diocese. Esse acontecimento foi uma ocasião propícia para Marello fazer a sua recuperação espiritual depois da experiência em Turim. Foi para ele um período fecundo em que se amadureceram muitas coisas boas em sua vida. Eram as aulas, a disciplina do seminário, as orações. Nos estudos ele se despontava entre os seus colegas, porém, jamais fazia pompa disso. Era muito estimado pelos colegas e tido como um dos melhores companheiros. Tudo isso ele conquistou também com um programa ascético e de interioridade.

40 - Quando clérigo, Marello, em data de 15 de novembro de 1866, escreveu para si aquilo que denominou de “Norma Agendorum”, ou seja, propósitos para serem cumpridos todos os dias. Estes se resumiam na participação diária da missa, na meditação, na atenção às orações, na leitura de textos da bíblia, no recolhimento, na atenção à leitura na hora do almoço, na reza do rosário, não combate à soberba, na oração antes de dormir, no exame de consciência, no afastamento dos maus pensamentos, etc. Em janeiro de 1867, assumira o empenho com normas mais concretas de comportamento e que ele denominará de “Regra de Vida”, com a qual se empenharia em observá-la, tendo a oração como o meio seguro de perfeição e o fundamento de todas as atividades. Por isso, de manhã, o primeiro pensamento que propunha era dirigido a Deus. Depois, um rigoroso silêncio na igreja, empenho nos estudos; exercício da temperança à mesa e às vezes mortificação. Antes de dormir fazer exame rigoroso de consciência (cada dia consagrar cinco minutos para examinar o profectum e o proficiendum, ou seja, o progresso feito no dia e aquele ainda a ser feito), a reza do Miserere de joelhos, a invocação à Virgem para obter pureza de afetos e a invocação aos anjos e santos.

41 - Seu programa espiritual a ser desenvolvido, contemplava o propósito de colocar como luz para a sua vida a Palavra de Deus. Escrevia ele no dia 21 de janeiro de 1868: ”Antes de dormir quatro versículos do ‘Testamentino’ (Novo Testamento de bolso) para ruminar”. Esse livreto se encontra no museu da Congregação dos Oblatos de São José em Asti. Na página de rosto deste, encontra-se a assinatura dele quando ainda menino.

42 - A leitura da vida dos santos também foi um meio muito eficaz para Marello. Aconselhara ele ao seu amigo Delaude, no ano de 1866, (Crf Carta N. 10) para se exaltar nos grandes modelos e disera a si mesmo a célebre frase de Santo Agostinho:”Se estes conseguiram por que então também eu não?”(Cfr Carta N. 9). Depois de ter lido a vida de Santa Margarida Maria Alacoque dirá a si mesmo: ”...minha mente será sempre voltada para Vós... - Nunc coepi – agora começo meu Deus, minha mãe, meu protetor São José... Agora começo, eu abandonarei o costume da minha prevaricação. Agora começo. Eu me encaminharei pela estrada do céu, seguindo as inspirações que Vós ma fareis resplandecer lá de cima...”. O jovem Marello tinha 23 anos quando escreveu esse propósito.

43 - Sempre estudioso, ele demonstrara o seu amor pelos estudos ao escrever ao seu amigo Rossetti, no final do ano de 1866, (Cfr Carta N. 4) na qual afirmava que tinha recolhido no decorrer dos últimos três anos um bom material e com este estava examinando as chagas da sociedade a fim de elaborar um livro. Seria uma obra de caráter prevalentemente ético-social, mas tomado depois por outros afazeres nunca pôde realizá-lo. Além disso, pode ter existido uma outra razão para Marello não prosseguir no seu intento de elaborar um livro: trata-se da figura de Vincenzo Gioberti, escritor e sacerdote de Turim, do qual Marello meditou bastante os seus escritos que lhe indicavam a falta da prudência e da humildade. De fato, Cavour ao visitá-lo em Paris, antes de sua morte, disse a seu respeito: “Gioberti est tourjours um grand enfant de génie. Ce serait um grand homme, síl avait le sens commun”.

44 - Marello passara viver a sua nova fase no seminário, depois de sua experiência de Turim, nos anos de 1864 e 1865, precedida de seus sonhos humanitários em 1861, chegava em 1866 na fase que ele denominou de “metamorfose de realização” (Cfr Carta n. 9). Passava assim do desejo do “Apostolado humanitário”, embasado no positivismo presente na Itália, ao “Apostolado católico”. Era a sua grande virada. Nessa sua nova decisão, foram-lhe de grande ajuda a leitura dos grandes pensadores cristãos. Escritores como Blaise Pascal, morto em 1662; ”Estou ruminando os Pensamentos de Pascal”, escrevia ele ao seu amigo Rossetti; Chateaubriand François René; Na mesma carta a Rossetti acrescentava: ”Li também Os mártires do Cristianismo de Chateaubriand”; Auguste, morto em 1848; Alessandro Manzoni, morto em 1873 e Cesare Balbo, morto em 1853. Para ele, a sua nova concepção dos valores o conduzia para apreciar outros valores, por isso dissera que “as grandes inteligências de nada valem, pois são os grandes caracteres que abalam o mundo” (Cfr Carta N. 10).

45 - No dia 9 de fevereiro de 1864, depois de sua experiência fora do seminário, morando e estudando em Turim, Marello foi acolhido pelos superiores e colegas no seminário e iniciava juntamente com outros 15 colegas, iniciando o primeiro ano de teologia; tinha 20 anos de idade. O vigário geral, Pe. Sossi ao saber que Marello tinha pedido para voltar ao seminário disse: ”Para Marello escancaramos as portas e o portão”.

46 - No ano de 1867 Marello foi encarregado pelos superiores para ser o assistente dos clérigos estudantes de teologia juntamente com Egídio Motta. Para que essa responsabilidade lhe fosse dada ele deveria ser exemplo para os companheiros e o era, tanto é verdade que por ocasião de um retiro espiritual pregado aos seminaristas, Francisco Dassano, ao falar dessa virtude, incentivava a todos a adquiri-la a fim de que fossem capazes de cumprir no futuro algum encargo na Igreja, e para encorajá-los acrescentou-lhes: “Quem sabe se sobre a cabeça de algum de vocês não vão colocar uma mitra”, e todos imediatamente se voltaram para Marello, prova de que era responsável.

47 - No dia 14 de janeiro de 1868, por ocasião da festa de Santo Hilário, patrono do seminário de Asti, Marello foi encarregado de tecer o panegírico na capela dedicada ao santo. Suas palavras foram tão acertadas que Pe. Giovanni Goria relata que foram palavras eruditas, cheias de piedade e de incitação ao apostolado que mereceram a admiração de todos os presentes.

3 - Sacerdote

ASTI – Instituto Milliavacca, no qual São José Marello
foi diretor espiritual  do ano 1881 a 1889

Sacerdote

São José Marello, uma vida exemplar
 e edificante
Capítulo 3
48 - Com 35 anos de idade Marello embora apresentasse uma saúde frágil, era muito fiel ao princípio “age quod agis”. Acumulava os encargos de secretário do bispo desde 1868, de Fundador da Congregação desde 1878, de cônego da Catedral desde 1879, de confessor do seminário de Asti a partir de 1880, de encarregado diocesano da boa imprensa e da doutrina cristã desde sua ordenação sacerdotal, de diretor diocesano da Associação da Doutrina Cristã, a partir de 1880 e, enfim, de confessor na Catedral e em diversos Institutos na cidade. Portanto, embora com pouca saúde empenhava-se constantemente em diversas atividades sem contar que aquela de secretário de Dom Sávio era-lhe muito empenhativa devido a idade e aos problemas de saúde do bispo. Além do mais, Dom Sávio desde o início de 1880 até a sua morte, tinha Marello como seu confessor. Por todas essas atividades ele merecia a estima do povo de Asti que bem logo lhe deu o título honorífico de “el canonic brâv” (o cônego bom).

 49 - O cônego Cerutti tinha grande estima pelo Marello e não tinha receio de indicá-lo publicamente como um santo; “ viram aquele santo?”, perguntava aos meninos do Michelerio.

50 - Como secretário de Dom Savio Marello devia redigir muitas Atas oficiais da Cúria e o que as pessoas admiravam ao lê-las é que eram redigidas sem rasuras ”currenti calamo”, com uma caligrafia muito bonita e clara sendo que, muitas vezes, eram escritas num latim elegante e solto.

51 - Seu bom coração cultivado desde criança, afável e muito sensível aos pobres, continuara tendo as mesmas qualidades quando sacerdote e bispo e isso o fazia se apresentar sempre com os cabelos mal cortados, de tal modo pareciam a escadaria da Catedral de San Giovanni em Turim. A razão disso é porque ele fazia questão de cortar seus cabelos com um velho barbeiro, meio cego e praticamente abandonado pelos seus clientes. Ao cortar os cabelos com ele, tinha a possibilidade não apenas de ajudar esse pobre homem, mas também de valorizá-lo.

52 - Em 1885, Marello passou a se hospedar em Sana Chiara, onde alguns dos seus Oblatos já residiam desde o ano anterior. Nessa sua nova moradia ele tinha um quarto muito simples, apenas uma pequena mesa, alguns livros, um crucifixo e um colchão de folhas.

53 - Quando sacerdote, após um dia trabalhoso, preenchido de várias atividades, tinha disposição para ficar até altas horas da noite rezando ajoelhado no chão frio.

54 - Um dos exercícios do ministério sacerdotal de Marello como secretário de seu bispo, Dom Carlos Sávio, foi o atendimento às confissões e da direção espiritual. Giuseppe Gamba, futuro cardeal, o teve como seu confessor desde quando entrou no seminário. Ele testemunha que Marello confessava no seminário de Asti e na Catedral e que muitas pessoas queriam confessar-se com ele, inclusive muitos sacerdotes. No seminário Marello era aquele que tinha maior número de seminaristas para atender na confissão e na direção espiritual. O mesmo testemunho deu também Pe. Secondo Gay que o conheceu desde 1871 e que também o teve como seu confessor. Para ele Marello era um mestre de santidade e de perfeição sendo que iam se confessar com ele os penitentes mais escrupulosos, às vezes aflitos, e sempre encontravam consolação. Pe. Gay foi por mais de 40 anos pároco da paróquia de São Silvestre em Asti e ali escreveu um livro intitulado “Vida de Jesus Cristo contendo todo o Evangelho, o Martiriológio e o Catecismo”. Dedicou esse livro ao seu antigo confessor com essas palavras: ”Ao venerável Servo de Deus, Dom Giuseppe Marello, bispo de Acqui, então secretário do piíssimo Dom Carlos Sávio, bispo de Asti – fundador da Congregação dos Josefinos de Asti, diretor espiritual do compilador da presente vida, mestre de religião dos clérigos de Asti, para perene lembranças das sábias e ascéticas lições. Oferece o mínimo sacerdote Secondo Gay” Embaixo dessa dedicatória escrevia esta lembrança:”Regra de conduta para viver bem o ano, sugerida aos penitentes por Dom Giuseppe Marello: Age quod agis, ou seja, ‘faça bem o que estás fazendo’”.

55 - O primeiro indício do ideal religioso que despontou na vida de Marello emergiu nos primeiros dias do seu sacerdócio quando escreveu: ”No dia de São Maurício prometo, perante Deus, de afastar-me das coisas deste mundo”. Era o dia 23 de setembro de 1868, três dias após a sua ordenação sacerdotal, na festa do padroeiro de Turim, São Maurício. O seu primeiro aceno de vocação ao estado religioso o encontramos numa sua carta de 3 de fevereiro de 1869, na qual ele responde ao Pe. Delaude que lhe havia exposto a intenção de se tornar sacerdote do Oratório de São Felipe. Nesta, ele diz:”... confesso-lhe com toda a confiança que a sua amizade inspira, sinto que a minha vocação não está determinada e percebo que no meu coração vai se formando um círculo de afetos e na cabeça uma seqüência de idéias, a que poderiam dar consistência à viagem e à permanência em Roma” (Carta Nº52). Exatamente nesse ano o Papa Pio IX convidava os Trapistas para abrirem um mosteiro em Roma, na localidade Tre Fontane. Marello olhava para aquele mosteiro trapista e, quando viajou para Roma, foi visitá-lo enquanto rezava para entender a vontade de Deus.

56 - No ano de 1870, Marello visitou a Trapa de Tre Fontane em Roma, e mais tarde visitou também o mosteiro de Montecasino. No ano de 1872 encontramos Marello ajoelhado no coro da igreja da cartuxa de Pavia. Esse seu amor à Trapa se transformará depois para ele em espírito de recolhimento e de oração. Passara a sentir uma atração para a vida contemplativa, tanto é verdade que no ano de 1874 se aconselhou com seu bispo, Dom Carlos Sávio, sobre sua intenção em se tornar contemplativo, mas o bispo o desaconselhou, pediu para rezar, dizendo-lhe que lhe parecia que Deus queria outra coisa dele. Em 1876, novamente se aconselhou com seu bispo e novamente foi dissuadido de sua idéia pelo bispo, o qual lhe disse: ”Continue rezando e quando for o tempo o Senhor lhe iluminará”. Por trás desta sua idéia pode-se pensar que tinha a vontade de que a vida religiosa florescesse na cidade de Asti e na diocese; de fato, em 1876 escreveu: ”Monasteria nulla remanet in tota Diocesi, tum virorum tum mulierum, si excipias parvum collegium Barnabitarum Ecclesiae Parochialis S. Martini – Não permanece nenhum mosteiro em toda a diocese, seja masculino seja feminino, exceto o pequeno grupo de Barbabitas na paróquia de San Martino”. O desejo de Marello de se tornar trapista não se concretizou, pois como afirmou Pe. Carandino, um dos primeiros membros da Congregação dos Oblatos de São José: “O dedo de Deus segurou Marello para não entrar nos trapistas visto que ele devia fundar uma Congregação”.

57 - Como secretário Marello era o braço direito de Dom Sávio o qual lhe confiava tarefas bastante exigentes como aparece do seu epistolário. As cartas do bispo enviadas ao clero e à diocese traziam a contra-senha de: ”Sac. G. Marello”. Da mesma maneira os relatórios trienais enviados à Santa Sé, os quais além de serem manuscritos por ele, traziam as marcas do seu belo estilo latino, como por exemplo, no relatório em que expunha a falta de clero na diocese usando esta expressão:“Tanta est Sacerdotum penúria tristibus hisce temporibus”. Sobre os seminaristas escrevia: ”Cum seminarii aedes proxima sit episcopio et diebus festis juniores in religione ipse edoceam, visitatio quase continua a me fit... Omnes autem clerici sive provectiores sive juniores tum in studii diligentia tum pietate sunt commendandi et spem probabilem ingerunt utiles Ecclesiae ministros aliquando evasuros esse”.

58 - No dia 17 de maio de 1873, morria aos 66 anos, Vincenzo Marello, pai de Giuseppe Marello. Deixava seus bens móveis e imóveis aos seus dois filhos. No dia 6 de julho do mesmo ano, Marello fazia o seu primeiro testamento deixando todos os bens patrimoniais que lhe cabiam ao seu irmão Vittorio. Esse seu testamento, ele o iniciava com as seguintes palavras: “... Eu, abaixo assinado, pobre pecador, considerando que a cada momento estou às portas da eternidade e que é preciso cada dia estar preparado para a morte...”. Nessas palavras ele faz uma profunda confissão de humildade e de fé. Seu testamento exprimia um completo desapego de todos os bens para poder viver voluntariamente a pobreza. Quando seu pai era vivo, ele pedia-lhe para dar aos outros, quando morreu o pai, deixou tudo e não só não pedia, mas se declarava pronto da dar tudo o que tinha.

59 - Depois de ter acompanhado o seu bispo, Dom Sávio à Roma, por ocasião da realização do Concílio Vaticano I, em 1870, Marello voltara novamente à Roma, em setembro de 1875, por ocasião da celebração do Ano Santo promulgado por Pio IX. Aproveitando do jubileu para adquirir as indulgências, permaneceu por 8 dias em companhia de seu amigo Rossetti. Em Roma teve a possibilidade de participar da audiência com o Papa e recebeu a sua bênção apostólica; celebrou no túmulo de São Pedro e nas Grutas Vaticanas, na igreja de São Luiz e na igreja de Santo Inácio. Visitou as catacumbas de São Sebastião e rezou diante das relíquias de São Felipe Néri.

60 - Marello possuía uma calma imperturbável e a prova é que na quarta-feira de cinzas de 1887, enquanto celebrava a missa de manhã com a igreja de Santa Chiara lotada, de repente sentiu-se um forte tremor de terra e ele calmo e sereno com a âmbula nas mãos pedia calma para todos os presentes. Suas palavras nasciam de seu coração. Desarmava as pessoas com a amabilidade de suas palavras e o sorriso de seus lábios. Era de tal modo pouco preocupado consigo que Dom Sávio se divertia em dizer-lhe que tinha os cabelos tão mal cortados que pareciam a escadaria da Catedral de San Giovanni de Turim, mas ele se desculpava dizendo que ia cortar os cabelos com um barbeiro já idoso e quase cego, para poder ajudar-lhe dado que este não tinha mais quase nenhum freguês. Seus sapatos eram acalcanhados e com o bico quadrado, e alguém lhe dizia que eram fora de moda mas ele respondia que voltariam à moda. Além de comer pouco, não reclamava da comida, tanto é verdade que certa vez foi-lhe servida uma sopa preparada com óleo ranço e ele a tomou sem demonstrar nenhuma dificuldade e depois ao ser interrogado como estava a sopa ele respondeu que dava para tomá-la.

61 - Marello tinha uma predileção pelos idosos de Santa Chiara aos quais chamava de “minhas jóias” e continuamente estava com eles. Visitava frequentemente os órfãos e órfãs de Santa Chiara e se entretinha com eles dando-lhes bons conselhos. Quando saia de casa não esquecia a delicadeza e a bondade para com aqueles que encontrava. Pe. Garberoglio relata que todos os dias ele se encontrava, no caminho de Santa Chiara até a Cúria, com um vendedor ambulante que lhe oferecia uma caixa de fósforos ele todos os dias comprava-lhe uma caixa para ajudar este pobre homem.

62 - Era muito devoto de Nossa Senhora e de São José, mesmo porque estas duas devoções eram bastante comuns na metade do século XIX a partir da definição do dogma da Imaculada Conceição em 1854, e com a proclamação de São José como Patrono Universal da Igreja em 1870. Rezava diariamente o terço, como testemunha o Irmão Giovanni Zappa, que sendo-lhe próximo de quarto, e devendo com freqüência dar-lhe recados, o surpreendia, muitas vezes, ajoelhado ao lado da cama sobre o piso frio com o rosário nas mãos absorvido na oração. Celebrava com máxima solenidade as festas marianas, particularmente, da Imaculada Conceição e de Nossa Senhora das Dores. Promoveu em Santa Chiara a reza diária do terço e do Pequeno Ofício da Beata Virgem. O mês de maio ele o queria lembrado com solenidade na igreja e reconhecido com um altarzinho de Nossa Senhora. Uma outra maneira com que honrava Maria era as peregrinações aos Santuários marianos as quais ele as fez com muita devoção: Oropa,Varallo Sessia, Certosa de Pavia, Pompei, da Misericórdia de Savona, Consolata de Turim, Vallone.

63 - Em março de 1881, Marello adquiriu um terreno em Antignano d’Asti onde havia um pequeno Santuário dedicado a Nossa Senhora das Mercês num lugar chamado “ Vallone”. Nesse Santuário, Marello tinha celebrado uma de suas primeiras missas, por ocasião da festa de Nossa Senhora das Mercês em 1868. Esse era um lugar ideal para a contemplação e o recolhimento, por isso a intenção de Marello ao comprá-lo era para dar aos seus Oblatos um pouco de tranqüilidade durante as férias. Para viabilizar isso mandou reformar a casa e a igrejinha que estavam muito estragadas. Para esse lugar os Irmãos se dirigiam em grupos de aproximadamente dez, durante as férias, onde aproveitavam para celebrar, no pequeno Santuário, particularmente, no dia 24 de setembro, com uma grande participação do povo do lugar. Esse pequeno Santuário com a casa foi de certo modo a primeira casa dos Oblatos fora do Michelerio. O certo é que o Fundador ao comprar esse imóvel deixava claro a sua inclinação para a vida contemplativa, tanto é verdade que, no dia 17 de setembro de 1882, o encontramos em visita à Certosa de Pavia e ajoelhado no interior do coro a rezar com tamanho recolhimento e fervor que o senhor Sasso, possivelmente o guardião daquele local, ao vê-lo rezar com tanto fervor se pôs também ele a fazer o mesmo até que se aproximou de Marello e lhe perguntou quem ele era ao que Marello respondeu que era um cônego de Asti.

64 - Marello demonstrava sempre humildade e gostava do escondimento, tanto que ele jamais tinha percorrido do começo ao fim da avenida Alfieri, e a única vez em que fez foi quando foram transportados os seus restos mortais de Acqui para Asti em 1923. Quando ia à estação ferroviária, tomava uma estrada secundária e chegado à praça “Statuto”, preferia tomar um desvio que, naquele tempo, havia ao lado da igreja de São Paulo. Era extraordinário nas coisas habituais, dissera Pe. Garberoglio.

65 - Quando Marello chegava todos os dias ao Michelerio, vendo-o caminhar tão direito e leve, o cônego Cerutti dizia ao Pe. Giorgio Medico e aos outros Irmãos: ”Vejam como caminha Pe. Marello! Saibam que está com cilício e que as pontas se fazem sentir!”.

66 - Uma vez, enquanto Marello fazia uma longa pregação na igreja, um seminarista se adormeceu sendo cutucado pelos companheiros que ao mesmo tempo começaram a rir. Marello ao perceber a movimentação disse: ”Vejam, falamos de coisas tão pequenas, que até os pequenos dormem”. Outra vez, por ocasião dos exames finais um seminarista de nome Sabbione, esse e um seu colega tinham terminado a prova mas continuavam sem fazer nada; por isso Pe. Cortona pegou a prova e os mandou à capela para rezarem o terço. Faltavam apenas dez minutos para o meio-dia e estes preocupados não sabiam como rezar todo o terço para chegarem a tempo para o almoço. Então Sabbione disse ao companheiro: ”olha, eu digo Ave e tu você responde Santa e em poucos minutos conseguiremos”. De fato fizeram assim, mas ao saírem no pátio Pe. Cortona ao vê-los os chamou e perguntou-lhes “Vocês rezaram o terço?” Eles responderam que sim, mas Cortona não acreditando muito os colocou num cheque mate: ”Como vocês puderam rezá-lo assim em tão pouco tempo?”. Então ambos lhe revelaram o segredo, ao que Cortona achou engraçado e riu indo contar o fato ao Marello o qual também riu e disse-lhe depois: ”Você quem errou, porque ao invés de castigá-los devia premiá-los”.

67 - Pe Garberoglio atesta que Marello foi diretor espiritual de 1880 a 1882 do seminário de Asti e depois continuo a confessar os clérigos do seminário até quando foi nomeado bispo, e era entre os confessores aquele que tinha mais penitentes. Ele foi também por sete anos confessor e diretor espiritual da Obra Pia Milliavacca com grande proveito para as meninas internas. Todos os que o tinham como confessor o admiravam pela sua caridade profunda e a sua iluminada prudência.

68 - Pe. Gay afirma que Marello era mestre de santidade e de perfeição e iam até ele os penitentes mais escrupulosos e, às vezes, angustiados e aflitos e recebiam consolação. A mim, costumava dizer: ‘Age quod agis’. Pe. Morra, pároco da catedral de Asti, confirma que, muitas vezes, em que foi confessar-se com Marello sempre foi recebido com muita caridade, paciência e doçura.

69 - Madre Maria Graglia, superiora do Mosteiro da Visitação, em Pisa, e das irmãs Jole e Bice Graglia, afirma que a primeira vez que conheceu Marello ficou impressionada pela sua humildade que transparecia a beleza de sua alma e a sua angélica piedade. A direção espiritual que ele dava a ela era marcada de doçura e pobreza, firme e decidida, sem jamais fazer sentir a sua autoridade. Insinuava docemente na alma o amor às virtudes e o desejo de perfeição e seus conselhos eram cheios de unção. Nunca usava repreensão ou severidade, mas sim, a sua fina delicadeza e as fraternas exortações.

70 - Bice Graglia, que também teve Marello como seu confessor e diretor espiritual, afirma que durante os anos em que o teve com diretor pode conhecer todas as belezas de sua alma, todos os tesouros, que ele escondia aos olhos do mundo sob o véu da humildade, a qual era a sua virtude característica. Parecia ser guiado por uma luz celeste para conhecer o estado das consciências e sua modéstia estava no mais alto grau. Bice Graglia tinha 17 anos quando teve Marello como seu confessor, no ano de 1883. Era de família rica e boa, mas seu pai, advogado, pouco praticava a religião. Essa jovem era atormentada pelo seu amor próprio e pela cólera, seguiu cheia de boa vontade o que lhe traçava o seu diretor que lhe apontava no Cristo o ideal de toda perfeição. Guiou-a entre os obstáculos e as dúvidas, confortando-a nos momentos de fraqueza.

71 - Quando morreu Pe. Giuseppe Vay, confessor de vários sacerdotes da diocese, inclusive de Dom Sávio, Marello, jovem sacerdote e secretário do bispo, tornou-se o seu confessor e diretor espiritual, parecendo-lhe, como afirma Pe. Cortona: “...de nenhum outro sacerdote poderia ter aquela direção sábia e aqueles confortos que tanto precisava nas especiais circunstâncias em que se achava”.

72 - Durante todo o período que Marello permaneceu ao lado de Dom Carlos Sávio como seu secretário se comportou como se continuasse a sua vida de seminário, com uma programação do dia que passava ordinariamente da oração para a ação. Pe. Garberoglio relata que viu o horário feito por Marello confeccionado numa folha, colocado entre dois vidros marcando as várias atividades do dia tendo para cada uma algumas jaculatórias indulgenciadas. Encontra-se junto o Arquivo da Postulação Geral da Congregação em Roma escritos inéditos a esse respeito tais como: “Pela Manhã: Sinal da Cruz (50); Veni Sacte ou Veni Creator ed Oremus (100)P. – Ato de fé, de esperança e caridade (7 an. e 7qur) P.- Salve Rainha pela manhã e Sub tuum praesidium pela tarde com a recitação dos versículos: Dignare me. Ri. Da mihi virtutem. Benedictus Deus in sanctis suis. R. Amem (100) (7 na e 7 quar. para cada semana)P. – Dois domignos por mês e em todas as Festas de Nossa Senhora – Angele Dei (100)P. – Dolce Coração de Maria sede a minha salvação (300)P. À Tarde: Reza do Rosário (Ved.m/a Ind.) – Cinco Pater e Ave com o Te ergo quaesimus e Réquiem aeternam pelos falecidos e três Pater em memória da agonia de N.S. e três Ave em memória das Dores de V.M. – para os fiéis agonizantes (300)P.- Sub tuum praesidium – memorare piissima Virgo (300)P. – Antífona Da pacem Domine etc com Oremus: Deus a quo sancta desideria (100)P...”(Abreviação: (100): dias = P: plenária cada mês)

4 - Bispo

José Marello, Bispo
Junto aos Salesianos de Turim no ano de 1991
por ocasião do 50º aniversário do
oratório Salesiano
Bispo

São José Marello, uma vida exemplar e edificante
Capítulo 4

73 - Na carta de apresentação de Marello como o novo bispo de Acqui, enviada, aos 28 de novembro de 1888, ao vigário Geral, Pe. Pagella, Dom Ronco o apresenta como um homem empenhado na causa dos pobres, particularmente, quando, em 1884 ele  manifestou uma preocupação especial por eles em Santa Chiara com o funcionamento do Asilo que acolhia epiléticos, cegos, apopléticos,  aleijados, bobos e velhos que não podiam se movimentar. Salientou também que Marello, no ano de 1885, tinha tomado a generosa decisão de ir morar no meio dos seus pobres, os quais ele amava com coração de pai. Finaliza a sua carta declarando-o: “uma pérola preciosa e uma bênção que Asti perde e que Acqui ganha. A sua vida é um constante exercício de virtudes, de zelo pela glória de Deus, para a saúde das almas e de obras misericordiosas pelos pobres. E todo este tesouro está escondido sob o invólucro da mais singela humildade...”

74 - Marello foi nomeado bispo de Acqui, uma vasta diocese, deslocada, em boa parte, sobre os montes dos Apeninos Ligure, contando com 121 paróquias  e cerca de 125 mil habitantes. A sua nomeação se deu  no dia 23 de novembro de 1888, quando ele estava com seu 44 anos de idade. Marello ao receber a noticia de sua escolha como bispo foi se aconselhar com o cardeal de Turim, Gaetano Alimonda, o qual pediu para aceitar a nomeação; desta maneira, se colocou com total abandono na vontade de Deus, escolhendo como modelo para seu episcopado o bispo de Genebra, São Francisco de Sales. O seu brasão episcopal, desenhado por ele mesmo, foi representado por um mar agitado sobre o qual brilha uma estrela com o monograma de Maria (MA) e se lê na cartela o lema escolhido por: ”Iter para tutum” - “Prepara um caminho para todos”.

75 - A tradição diz que foi o Papa Silvestre quem criou a diocese de Acqui  e até o século IX não se conheceu os nomes dos bispos dessa diocese; apenas 7 nomes foram conhecidos até Marello. Era diocese que tinha produzido homens ilustres pela sabedoria e doutrina como o bispo Maggiorino, Baudolino, Guido, sobretudo este último, patrono principal da diocese a qual a governou por 36 anos. Dessa diocese saíram também vários bispos, dentre os quais São Paulo da Cruz, fundador da Ordem dos Carmelitas Descalços de Santa Cruz e da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo (Passionistas). A Catedral de Acqui foi construída por São Guido e dedicada à Bem-aventurada Maria Assunta. Com suas 121 paróquias, tinha 504 igrejas e 5 Famílias religiosas. Quando Marello assumiu a diocese, esta tinha 180 seminaristas, dos quais 78 entre filósofos e teólogos e os demais eram seminaristas menores.

76. O período episcopal de Marello foi de apenas seis anos e meio, mas foi de intensa atividade. Neste período visitou todas as 125 paróquias, exceto a de Lussito, que, todavia já havia visitado rapidamente a pé,  pois se encontrava perto da cidade e havia dito ao pároco que voltaria para a visita oficial quando ficasse pronta a igreja nova que ele queria benzê-la.

77 - Por ser a sua diocese plantada em boa parte sobre os montes do dos apeninos Ligure, as suas localidades nem sempre eram de fácil acesso, mas mesmo as mais inacessíveis ele as subiu visitando-as sendo sempre acolhido com muito carinho e como um santo.

78 - Em Cassine, a 12 quilômetros de Acqui, a qual tinha sido a primeira cidade a acolhê-lo como bispo em 1889 com a banda de música municipal, por ocasião de sua visita pastoral não foi bem recebido por conta da política anti-clerical, sendo que nem o prefeito e nem seus assessores se dispuseram a recebê-lo por essa ocasião. Contudo, já na igreja, Marello começou uma bonita pregação que inflamava o coração de todos os presentes, de sorte que aos poucos muitos que estavam de fora começaram a ir à igreja, inclusive o prefeito. Na tarde do dia seguinte, no final da visita, o prefeito com todos os seus assessores se apresentaram ao Marello dando suas desculpas pelo ocorrido. É que a atitude afável de Marello cativava.

79 - O seminário de Acqui no ano de 1891, quando Marello era o bispo, contava com 78 seminaristas  maiores entre filósofos e teólogos e 102 seminaristas menores. O reitor do seminário era  Pe. Giuseppe Pagella que tinha uma grande consideração pelo seu bispo e falava dele com profunda admiração aos seminaristas e estes o tinham como um santo. Por ocasião da disputa que Marello enfrentou com a ”Piccola Casa di Torino” a respeito de Santa Chiara Pe. Pagella assim se exprimiu: ”Se eu tivesse que gastar nesta causa o meu patrimônio inteiro, fá-lo-ia de boa vontade, porque esta foi a última vontade do meu santo bispo”.

80 -  Pe. Pagella era muito capaz e tinha muita influência  no clero e entre os civis. O próprio Papa Leão XIII tinha manifestado seu apreço por Pagella, recomendando-o ao monsenhor Disma Marchese de levar muito em consideração aPe. Pagella, “que é o melhore vigário geral da Itália”. Seu valor era indiscutível, mas enérgico e de caráter oposto ao de Marello. Possuía um caráter forte e impulsivo. Aos olhos dos padres da diocese tinha-se muitas vezes a impressão de que Marello fazia aquilo que Pagella dizia.

81 - Apenas aparentemente Pagella demonstrava mandar na diocese, mesmo porque era um canonista muito preparado do qual Marello se servia para o governo de sua diocese. Tendo-o ao seu lado Marello conseguiu amenizar o seu caráter forte e a torná-lo dócil. Na sua humildade ele deixava que Pagella despontasse e o tinha em grande consideração ao ponto de afirmar: ”É um prazer ser  bispo com um vigário como esse”.

82 - A bondade e santidade do bispo Marello era constatada tanto pelos sacerdotes da diocese de Acqui como também pelo povo, basta lembrar  o testemunho de algumas pessoas durante as visitas pastorais que ele realizou: Em Altare o povo dizia dele: ” Este bispo é um santo”. Pe. Disma afirmou, em 1924, que durante os seus 58 anos de ministério sacerdotal tinha recebido inúmeras visitas pastorais, mas a que mais ficou impressa em sua mente foi a de Dom Marello realizada em 1891,  pois “os dois dias de sua permanência como meu hóspede foram para mim dias de paraíso. Acompanhou-me na comunhão geral de 600 pessoas e administrou 200 crismas e vi várias vezes descer de seus olhos lágrimas de consolação...”

83 - Por ocasião das comemorações pelos cem anos de morte de São Luiz Gonzaga Marello organizou uma peregrinação em Roma com seus sacerdotes e leigos da diocese. Na ocasião todo o grupo participou da audiência com o Papa Leão XIII. Nesta oportunidade, relata Pe. Peloso e também Pe.Alfonso Mistrângelo (que depois será cardeal de Firenze): “O santo Padre passava transportado em sua cadeira gestatória abençoando as várias filas de peregrinos, Quando ele chegou perto de nós, um dos seus acompanhantes lhe disse: ‘bispo de Acqui’ e o Papa perguntou: ‘bispo de Áquila”?’- ‘Não, bispo de Acqui’. Então o Papa parou e disse: ‘Oh, Acqui, Acqui! Abençôo - vos, abençôo a diocese. Ao voltardes “dizei a todos que enviei para Acqui ‘Uma pérola de bispo’”. Às palavras do Papa, Dom Marello ficou todo vermelho, afirma Pe. Peloso, e dirigiu a conversa para outro assunto.

84 - O cardeal Mistrângelo, escreveu em 1923 o acontecimento da denominação ‘pérola de bispo’ dada por Leão XIII explicava que tal era Marello; “ele tinha da pérola a candura, a suave luz, os reflexos iridescentes e encantadores. A sua alma, bela e virtuosa, era espelhada nos seus olhos serenos, no seu sorriso angélico e na compostura simples. Digno e amável. Bastava se aproximar dele, conversar com ele e ouvi-lo para se ficar fascinado; estava-se diante de um novo Francisco de Sales”.

85 - O estilo de pregação de Marello era simples e pastoral, como publicou o boletim semanal de Acqui, “L’Ancora”, em 1923: ”Tinha uma eloqüência simples, paterna e cativante. A sua pregação era calma, sem artifícios de oratória, mas prática e sempre intercalada de fatos edificantes tirados da vida dos santos, das quais era assíduo leitor”. O mesmo se diga sobre a sua maneira de escrever, conforme observa a irmã Miotti  que as suas “cartas pastorais conservam um estilo fácil e claro. Ao lê-las não se encontram idéias cultas, também se manifestam uma vasta e profunda cultura, particularmente patrística e bíblica, que com humildade coloca ao serviço do povo de Deus para edificá-lo”.

86 - Quando Marello devia viajar tinha quase sempre a companhia de Battista, seu empregado, o qual o acompanhava à estação ferroviária a pé porque não utilizava de meios de transporte, e isso não por avareza, mas por penitência. Sempre que devia tomar o trem devia sair de casa um pouco adiantado porque durante o percurso as crianças acorriam ao seu encontro e ele parava para acariciá-las e abençoá-las.

87 - Marello tinha uma grande preocupação com o decoro das igrejas e por isso quando visitou a igreja de Olmo Gentile ao encontrá-la muito pobre e desprovida de pia batismal que era substituída por uma pequena bacia, ao voltar para casa enviou para a referida igreja uma pia batismal de pedra a qual foi conservada como o melhor presente recebido pela população.

88 - Nas suas visitas pastorais não se preocupava com o cansaço e com os incômodos. Ao celebrar em Ciglione saiu da celebração com as roupas todas molhadas de suor e teve que ira trocá-las deixando-as no quarto. A empregada encarregada de lavá-las ao tomá-las  ficou tão impressionada com o estado delas que veio correndo dizer ao pároco: ”Padre, aquelas não são roupas de um bispo, mas de um pobre”.

89 - Marello se preocupava com todos indistintamente de suas qualificações e desejava que os seus sacerdotes estivessem presentes na vida de todos. Pe. Bistolfi, pároco de Mioglia, lembra que Marello certa vez lhe disse: ”O senhor joga ‘pallone eslastico’ muito bem” ao que ele respondeu: “é preciso estar junto com esse povo. Precisa compreender os seus problemas. São pessoas sofridas, precisamos ajudá-las”.

90 - Por possuir dons artísticos Marello desenhou o seu próprio brasão episcopal o qual delineava o mar com águas movimentadas tendo sobre si uma estrela com o monograma de Maria “MA” que representava as iniciais de “MA-r”, “MA-rello”, “MA-ria”. Na parte inferior do brasão escreveu a frase “Iter para tutum”.

91 - O Irmão Benedetto Coppo relata que certa vez estava na residência episcopal para almoçar com Dom Marello e seu secretário, Pe. Peloso e aos sentarem à mesa perceberam que faltava algo, então Dom Marello disse ao Battista que estava de serviço: “Battista, precisamos de uma escada, por favor, busque-a”. Imediatamente o Battista buscou a escada e então Marello pediu-lhe para colocá-la contra a parede e subí-la. Depois lhe disse em tom de brincadeira: ”Battista, olha ai do alto, vê se falta alguma coisa sobre a mesa?”. Faltava o sal, mas a intenção em tom de brincadeira era de lhe advertir que não havia sal na mesa, pois o Battista era às vezes um pouco distraído. Depois bastava lembrar a escada para o Battista não esquecer mais nada.

92 - Pe. Giovanni Rabino afirma a respeito de Marello que “Jamais tinha visto um homem possuidor de tanta mansidão e docilidade, sem nenhum momento de impaciência, o que se percebe nele o esforço em frear a sua  índole natural de tal forma que a docilidade lhe parecia uma sua segunda natureza”. Outro sacerdote que o conheceu, Pe. Luigi Guastavigna afirma: “Dom Marello, para dizer em poucas palavras, era a santidade e a simplicidade em pessoa”. Também Pe. Ernesto Voglino diz: ”Era a piedade  personalizada”.

93 - Marello vivia um verdadeiro espírito de pobreza conforme testemunha a Irmã Tereza Sisto: ”Sempre lavei, passei e arrumei as roupas de Dom Marello e notei que ele tinha roupas pobres, embora em ordem e limpas”. Sua simplicidade era tal que a cozinheira dizia que não tinha nenhuma dificuldade em servi-lo, pois estava sempre contente com qualquer coisa que preparasse. Sempre atento aos necessitados ele colocava todos os dias à disposição  uma determinada quantia que gastaria com os pobres e a distribuía. A sua caridade para com o próximo, ele a manifestava também de uma outra maneira: procurava cobrir com o manto da caridade os defeitos do próximo.

94 - Numa visita pastoral à paróquia de Montechiaro d’Acqui Marello levou para seu  quarto as relíquias ex ligno S. Crucis e passou aproximadamente duas horas diante desta relíquia em adoração. Isso demonstra a sua devoção à paixão de Cristo.

95 - Na visita pastoral à paróquia de Cassinelle, ao início da celebração da missa aconteceu que tinha se esquecido o turíbulo e o incenso, mas Marello sem nenhum sinal de impaciência esperou que fosse providenciá-los. Foi preciso esperar aproximadamente 20 minutos, mas ele sempre calmo conversava com o pároco e com os coroinhas até que chegou o turíbulo e ele com muita calma iniciou a celebração sem demonstrar nenhum sinal de perturbação, para a admiração dos fieis presentes.

96 - Por ocasião da visita pastoral em Tiglieto durante a comunhão veio a falta de hóstias consagradas para muitos fiéis. Marello ao perceber que faltavam as hóstias teve a paciência de preencher o tempo com pregação enquanto as hóstias eram preparadas (cozidas e cortadas) e depois consagradas por um sacerdote em um altar lateral, sem dar o mínimo sinal de contragosto.

97 - A simplicidade de Marello chegava a coisas tão simples como o episódio relatado por Pe. Lorenzo Franco: ”Marello se fazia pequeno com os pequenos e não se esquecia nenhum de nós. O primeiro ano em que os Irmãos foram passar as férias em Strevi, Marello foi com eles dentro do rio Bormida e ali recolheu duas pedrinhas, uma branca e outra preta, e a entregou ao assistente (Irmão Paulo) dizendo-lhe de levá-las ao Franchino, que era eu e disse-lhe de lembrar-me de rezar e ser bom menino”. “Outra vez, ainda em Strevi, por ocasião das férias dos seminaristas estes saíram para um passeio, mas um deles não pode ir porque tinha machucado o pé. Ao vê-lo sozinho Marello ouviu a explicação dele e depois lhe disse: Muito bem, diverte-te aqui mesmo, monta neste cavalinho, e quando ele montou, Marello tomou o cabresto e puxou o cavalo pelos caminhos do jardim de Strevi.”. O seminarista que Marello conduziu pelos caminhos do jardim de Strevi era Luigi Garberoglio, seu terceiro sucessor na direção da Congregação. Strevi é uma localidade a poucos quilômetros de Acqui às margens do rio Bormida, esta tinha se tornado o refúgio de Dom Marello. Era um antigo convento franciscano do século XVI preparado como residência de verão dos bispos de Acqui.

98 - Em fevereiro de 1888, o bispo de Acqui, Dom Giuseppe Sciandra, estava doente e velho, impossibilitado de celebrar uma ordenação sacerdotal o diácono Lorenzo Del Ponte foi enviado a Asti para ser ordenado por Dom Ronco, ao voltar para Acqui o néo-sacerdote foi interrogado pelo Vigário Geral, Pe. Pagella:”Que impressão teve de Asti?”, ao que Del Ponte respondeu:”Assistindo o bispo havia um cônego tão composto, devoto e sereno que parecia um anjo do Paraíso”. Um ano depois Marello foi apresentado por Pe. Pagella como bispo de Acqui como uma “Gema de bispo”. Sua preciosidade era ancorada na sua humildade, como no exemplo que deu quando os seus colegas Pe. Riccio, Delaude, Rossetti e Motta vieram lhe dar os parabéns pelo episcopado e pediram-lhe a bênção, mas Marello hesitava, pois eram seus colegas de juventude. Estariam brincado ou não? Então um deles lhe disse em piemontês: “Su, su, fa nen la ciula” (Vamos depressa, não seja bobo) e Marello abençoou-os.

99 – Marello, bispo, não se preocupava com o tipo de comida e comia muito pouco sem nunca dar ordens à cozinheira sobre refeições e nunca reclamava do que lhe era servido. Sua cozinheira dizia que ele estava sempre contente com qualquer coisa.

100 - O seu camareiro Felice Balostro afirma que Marello comia pouco “Lembro que lhe preparavam normalmente um pãozinho de aproximadamente cem gramas, que às vezes não comia por inteiro no intervalo entre o almoço e o jantar”.

101 - Marello tirava muito pouco tempo para o descanso e quando necessitava de fazer alguns exercícios físicos por causa de sua saúde frágil, caminhava um pouco no pátio da casa episcopal.

102 - Seu sermão costumava ser longo, mas o povo o ouvia com prazer, pois diziam que aquilo que ele pregava saia-lhe do coração.

103 - Se houvesse algum doente para ser visitado, ninguém conseguia segurá-lo, mesmo que fosse em meio ao mais rígido inverno ou nevasse. De fato, era muito solícito para os outros e esquecia-se de si mesmo.

104 - Tinha uma grande preocupação com as pessoas. Uma vez o seu secretário sentia-se um pouco estressado, ele com aquele seu olhar penetrante apercebeu-se disso e sem alarde lhe disse: ”Olha, Pe. Pietro, amanhã eu vou-me vestir como um simples padre e depois vamos fazer juntos um bom passeio” . No dia seguinte, fizeram o passeio. Na verdade o secretário não desconfiou de nada e pensou que devia mesmo acompanhá-lo, e só mais tarde, refletindo sobre o fato, percebeu que ele lhe tinha feito aquela fineza para lhe proporcionar uma oportunidade de descanso.

105 - A ordem na cúria episcopal era para que qualquer um fosse admitido à audiência com ele e a qualquer hora que fosse. Ele atendia todos com bondade e grande interesse, sem se chatear com ninguém. A respeito disso narra  Pe. Cortona “Um dia, uma pessoa começou a contar-lhe uma lengalenga sem fim que cansaria  até um morto, enquanto eu esperava o momento para conversar com ele coisas muito importantes. Quando ela terminou e se despediu, eu não pude conter-me de lhe observar:’Excelência, como consegue interessar-se tanto de uma coisa tão insignificante?’ E ele me responde: ‘A nós parecem coisa insignificantes, mas para eles são coisas muito importantes. Se queremos que os outros se interessem pelas nossas coisas, devemos dar atenção às misérias e às mágoas dos outros”.

106 - O seu camareiro Felice confirma que os seus sacerdotes tinham o prazer de conversar com ele: “Nunca os sacerdotes que iam procurá-lo me perguntavam com antecedência qual era o seu estado de humor, e ao saírem nunca percebi que tinham ficado chateados ou descontentes”.

107 - Monsenhor Soave, que era vigário da Catedral de Acqui e depois se tornou pároco de Fontanile, afirma: ” Às vezes eu ia procurar o bispo e ele me recebia com festa, em seguida sentava-se no sofá e não queria que eu me sentasse numa poltrona, mas dizia” ‘senta-te aqui no sofá perto de mim para podermos conversar melhor’”.

108 - Relata Pe. Vittorio Macciò que um dia escreveu a Dom Marello uma carta não muito educada porque desejava que o bispo tomasse uma decisão drástica em relação a um sacerdote, enquanto que Marello o exortava a ter paciência e a rezar. Depois de algum tempo foi à Acqui para pedir desculpas ao bispo esperando encontrá-lo desgostoso, mas ao invés o encontrou muito afável  e ao contrário de uma reprimenda, Marello assumiu suas desculpas dizendo-lhe:”Quando a gente está com a cabeça quente não consegue medir as palavras”.

109 - Marello era uma pessoa tão afável e admirada que o seu Vigário Geral, Pe. Pagella homem inteligentíssimo e também temido como Vigário, afirma que pelo Marello teria se jogado ao fogo. Dele são também estas palavras por ocasião da morte de Marello em Savona: ”O Senhor quebrou o molde, nunca mais fará um homem assim”.

110 - No trato com as pessoas Marello era muito espontâneo e sempre tinha uma palavra boa para dizer-lhes. Numa de suas visitas pastorais em Ciglione foi recebido com festa pela população não faltando a banda de música. Na pausa de descanso dos músicos conversando com um e outro chegou perto de um velho que tocava um bumbo; acariciou-lhe a longa barba branca e lhe sorrindo disse: “Você é o mais barulhento de todos”.

111 - Na visita que fez à Ricaldone, conquistou de tal maneira os corações daquele povo que, à sua partida o acompanharam com a banda por vários quilômetros, até a outra localidade vizinha. Em Cairo Montenotte, uma aldeia de marca anti-clerical, foi acolhido com alegria tão logo o povo o viu abraçar uma menina dentre os que o recepcionavam. Numa outra aldeia denominada de Morbello, a sua visita coincidiu com a chegada de uma forte tempestade, arruinando toda a colheita,  mas a sua presença foi uma bênção para aquele povo que recebeu dele conforto e resignação pela perda da colheita.

112 - Como bispo escreveu aos seus diocesanos sete cartas pastorais. Na primeira de 1889 transmitiu para todos os diocesanos uma mensagem de Paz. Depois escreveu sobre a Visita Pastoral, a Penitência, a Educação dos filhos, o Respeito humano, o Catecismo e sobre o Empenho Missionário. Homem dinâmico, bispo consciente de sua missão, Marello dispunha ainda de tempo para a sua Congregação, sendo superior dela e da Obra de Santa Chiara até a sua morte, para ajudar os bispos vizinhos, além de participar do I Congresso catequético italiano de Piacenza, participar em Roma das celebrações pelo III centenário da morte de São Luiz Gonzaga, onde pela ocasião  o Papa Leão XIII referiu-se a ele como “uma pérola de  bispo”. Participou também em Gênova, em 1892 do I Congresso Católico Italiano e em 1894, participou enfim, do II Congresso eucarístico Italiano em Turim.

113 - Pe. Giovanni Rabino afirma que Marello continuava fazendo em Acqui aquilo que fazia em Asti e ressalta que jamais tinha visto uma pessoa tão regularmente calma e dócil, sem jamais ter manifestado um ímpeto de impaciência, o que se podia entender o seu empenho em frear sua índole natural, de maneira que a docilidade parecia nele uma segunda natureza.

114 - É fácil encontrar afirmações como um sabor de elogio enfático sobre a pessoa de Marello, tais como: “Dom Marello, para se resumir em poucas palavras, era a santidade e a simplicidade em pessoa” (Pe. Luigi Gustavigna); “Era a piedade personificada” (Pe. Ernesto Vogliono)

115 - Pe. Rosotti testemunha que Marello lhe chamava a atenção pela sua piedade quando se encontrava na capela da Vila de Strevi, na qual ele o viu a rezar muitas vezes sozinho, “... ajoelhado diante do sacrário e tão absorto na oração que parecia que se estivesse vendo o próprio Jesus”. Muitas vezes parecia que seu rosto se transfigurasse e quando celebrava a missa, não apenas manifestava intimamente que estava persuadido dos mistérios que lembrava, mas agia como se fosse uma só coisa com Jesus. Ele ia todas as noites rezar o rosário na capela de Strevi e no domingo em que a igreja era aberta ao público, rezava o rosário de joelhos no mesmo lugar diante do Sacrário. Em seguida participava da bênção eucarística, dada por um outro sacerdote e depois distribuía santinhos para as crianças.

116 - Um dia, os irmãos que estavam com Marello em Strevi viram um sacerdote sair da audiência com um pacote nas mãos e muito contente; ao procurarem a razão de tanta alegria deste pároco, souberam que o bispo tinha lhe presenteado um turíbulo para as sua paupérrima paróquia, tão pobre que o referido sacerdote  utilizava até então para as incensações litúrgicas, um turíbulo de terracota. Um fato semelhante, relata o irmão Benedetto Coppo, o qual viu na residência episcopal um pároco que tinha descido da montanha para conversar com Marello e ao sair dali muito contente, levava de presente uma casula. De fato, ninguém que fosse buscar como esse padre uma ajuda, saía de mãos vazias.  Era sobretudo notável em Marello a sua bondade de coração, a sua mansidão e a docilidade em todas as coisas e para com todos, sem jamais manifestar uma atitude de impaciência, mas calma, serenidade e tratamento afável com todos.

117 - Pe. Giovanni Cristiano, um pároco ancião de 85 anos de idade,   relatou este seu episódio pessoal ocorrido em sua vida de sacerdote: “Um dia, encontrando-me muito triste pela possibilidade de perder completamente a visão, sendo eu já cego de um olho, dirigi-me até Dom Marello para receber  um pouco de conforto e alguns conselhos, pois já tinha a firme resolução de entregar a minha demissão como pároco. Marello me acolheu e deixou-me desabafar, depois me disse sorrindo: - ‘Esta é uma prova que o Senhor lhe quer muito bem e que não é abandonado por ele; volte contente para os seus paroquianos pois Deus lhe dará forças e coragem em para desempenhar o seus deveres e lhe conservará o pouco de visão que tem por muitos e muitos anos’ - e a sua profecia se concretizou. Hoje estou com 85 anos de idade e 58 de ministério pastoral, são de mente e de corpo e com a mesma visão sem o uso de óculos e por isso posso continuar desempenhando as minhas tarefas de pároco nesta alpestre paróquia sem muitos problemas”. Esse mesmo pároco recorda que por ocasião de suas bodas de prata sacerdotal, em 1891, recebeu a presença de Dom Marello o qual ficou dois dias com ele,  e 23 anos depois (em 1924) relatava que de todas as visitas dos bispos que recebera durante os seus 58  longos anos de ministério, aquela que mais ficou marcada em sua vida foi a de Dom Marello, ocorrida em 1891, pois os dois dias que permaneceu como seu agradabilíssimo hóspede foram para ele dias de paraíso.

118 - Marello como bispo de Acqui visitou todas as 121 paróquias de sua diocese, quase todas cidadezinhas da região astigina com as características colinas do Monferrato, famosas pelas suas vinhas e célebres pelos seus vinhos ’dolce moscato bianco’. Em todas essas ele era acolhido com grande festa. Em Moasca os fiéis lhe prepararam um tapete de flores desde a casa paroquial até a igreja. Nestas suas visitas eram manifestadas as suas pequenas atenções como a de doar, ao final da visita 20 liras para a empregada doméstica do pároco, alegando que era para pagar um pouco dos incômodos que tinha dado.

119 - No dia 23 de novembro de 1891, Dom Marello foi convidado para participar dos festejos, junto aos Carmelitanos de Santa Ana, do centenário de morte de São Giovanni da Cruz, na cidade de Gênova. Cirillo Penco, presente na solenidade relata: ”Era a primeira vez que via (Dom Marelllo) e tive imediatamente a impressão de estar diante de um santo. Isso era demonstrado pelo seu comportamento circunspeto, humilde e muito paterno. Essa impressão foi condividida com os meus confrades, os quais exclamava ‘Que bispo santo!’. Suas palavras  tinham algo de diferente dos demais, algo, que segundo o meu parecer era sobrenatural. Esse sentimento edificador, lembro-me, tiveram todos os meus confrades, deixando entre nós a lembrança de um santo e zeloso bispo, como já tínhamos ouvido falar de sua fama.”

120 - Em visita pastoral à paróquia de Montechiaro-Denice, Marello pediu para ser levada em seu quarto uma relíquia ex ligno Sanctae Crucis D.N.J.C e ali a adorou por aproximadamente duas horas, conforme o relato do então pároco, Pe. Francesco Pronzato. De fato, Pe. Garberoglio relata que Marello tinha uma grande devoção pela Paixão de Jesus Cristo e não apenas incutia em seus filhos a devoção à Paixão, colocando na oração da noite a leitura diária de uma página de suas dores, dos seus tormentos, mas se comprazia ele mesmo, fechando-se por duas horas durante uma visita pastoral para venerar a sagrada relíquia.

121 - Ao visitar a paróquia de Turpino em 1892, acolheu as lamentações do pároco que reclamava não ter dinheiro para pagar-lhe o almoço; Marello levando em consideração a triste situação deste, ao chegar a sua casa, lhe enviou 50  liras.

122 - Pe. Macciò, encontrando-se em Cassinelle para a pregação de um retiro espiritual por ocasião da visita pastoral do bispo, relata que participou nesta oportunidade da consagração da igreja. Ao iniciar a celebração na igreja de San Defendente, descobriu-se que faltavam o turíbulo e o incenso. Dom Marello simplesmente disse que esperava que fossem buscar o turíbulo, mas para isso devia espera uns vinte minutos. Enquanto isso, Marello perguntou ao Pe. Macció sobre o povo de Martina (lugar onde ele morava) e se entreteve com os coroinhas conversando com eles como um pai e quando finalmente chegou o turíbulo, com toda a calma começou a celebração sem dar o mínimo sinal de descontentamento, para admiração de todos os presentes.

123 -  Durante a visita pastoral em Morbello, relata Pe. Peloso, secretário de Marello,  estávamos quase para ir embora depois da frutuosa visita quando desencadeou um furioso temporal acompanhado de uma chuva de pedras. A população, diante do ocorrido ficou profundamente triste. Neste ínterim, Dom Marello subiu até o quarto para rezar. Terminado o temporal, partimos para a paróquia de Gronardo, caminhando sobre as pedras de gelo caídas  com a chuva. Durante todo o trajeto percorrido se percebia no rosto  dele a tristeza e a preocupação. O povo não abandonou o clima festivo da visita do bispo, embora aquela chuva tivesse destruído toda a colheita do ano, mas em compensação recebeu de Marello palavras que tocaram os seus corações e que elevaram o ânimo de todos fazendo esta visita render bons frutos. Dom Marello foi sensibilíssimo ao sofrimento daquele povo, manifestando com a sua dor, as suas lágrimas e as suas palavras os sentimentos que acalmaram de tal forma aquelas pessoas desoladas que a visita pastoral não sofreu nenhum dano. Terminada a visita, enviou ao pároco de Gronardo uma ajuda para que fosse distribuída aos mais pobres.

124 - Em setembro de 1892, Marello realizava a visita pastoral em Ponzone da qual o pároco desta localidade o lembra pelas suas pregações cheias de palavras divinas, pela sua docilidade e afabilidade para com todos, pela sua fineza na conversa. Lembra ainda que sua paróquia tinha sob sua jurisdição outras 4 igrejas, dentre as quais a de Piancastagna. Era costume naquela época que, por ocasião da visita pastoral, as crianças dessas igrejas fossem levadas para a paróquia de Ponzone para a recepção do sacramento da crisma. Aconteceu que os fieis de Piancastagna decidiram não levar as crianças para a crisma na referida paróquia e pretendiam que o bispo fosse crismar-lhes na sua igreja. Contudo, Marello não cedeu à pretensão destes, resistindo às insistentes pretensões e ameaças dos representantes de Piancastagna. Somente depois que os fieis aceitaram a decisão de levar as crianças para Ponzone foi que Dom Marello se dispôs ir visitá-los. Piancastagna era distante 12 quilômetros de Ponzone e a estrada era uma subida à altura de 800 metros, uma estrada que se podia fazê-la a cavalo ou a pé e Marello a fez a pé, acompanhado por personalidades de Ponzone, médicos, reitor, chanceler... Ao chegar a Piancastagna abordou o incidente de tal maneira que os fieis reconheceram o próprio erro e demonstraram-lhe veneração, amor e alegria acompanhada de reverência.

125 - O secretário de Dom Marello, Pe. Peloso relata que o seu bispo manifestava um grande amor pelo próximo e tal amor não podia ter outra origem a não ser no amor de Deus. Os padres que iam conversar com Marello na cúria episcopal saiam confortados. Um destes, que não queria conversar com ele, mas que depois foi, saiu daquele encontro com ele tão disposto a fazer tudo o que Marello lhe indicou a tal ponto que exclamou: ”Com aquele homem não se pode proceder diferente,  precisa fazer tudo o que ele deseja”. Nunca nenhum padre antes de ir conversar com ele perguntava ao secretário como estava o humor do bispo, ao contrário do que acontecia com o seu sucessor.

126 - Quando Marello se encontrava em Strevi tinha como lugar predileto a capela onde rezava com tanta concentração que parecia um santo, conforme diziam os seminaristas. Ali ele encontrava-se com as pessoas que iam até lá para vê-lo, distribuía santinhos para as crianças, descansava e se abastecia espiritualmente. As pessoas que se encontravam com ele eram recebidas com tanta afabilidade que ao saírem diziam: ”Como é bom este bispo; é mesmo um santo”.

127 - O cônego Cerutti afirma que Marello usava cilício para fazer penitência e, além disso, mesmo nos dias mais frios do rigoroso inverno astigiano, fazia a penitência de nunca colocar as mãos nos bolsos.

128 - Pe. Garberoglio testemunha que Marello quando conversava tinha uma modéstia cativante, serena, jovial e com graça, sem que jamais as suas brincadeiras e as suas palavras fossem contrárias a circunspeção devida a ele e a nós. Nós sentíamos que ele tinha uma grande afeição por nós, mas era muito reservado em manifestá-la, limitava-se, contudo, a colocar algumas vezes a sua mão sobre a cabeça das crianças.